Quarta-feira, 1 de Junho de 2005

SOBRE A EDUCAÇÃO TESTEMUNHAL (2)

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A Helena reagiu à minha intromissão do post anterior (e que coloquei no “Dedos de Conversa” como comentário) e quase me acusou de mata-frades ao pensar-me assim: ”estou cá a imaginar que se você fosse touro numa tourada, em vez de um pano vermelho bastava que lhe brandissem uma batina, e lá ia você, tu-tu-tum tu-tu-tum tu-tu-tum, e lá iam batina e toureiro!”

E rematou, tipo estocada inteira com direito a orelhas e rabo, com um terrível desafio: ”Para tornar o debate muito mais fecundo, ganhando nós todos com a sua diferença, proponho um desafio: se você fosse padre, como falaria de sexualidade com os jovens? Hmmm, alto, já vi um primeiro problema. OK. Se você fosse pastor protestante, como falaria de sexualidade com os jovens?”

Sobre a ignorância da Helena sobre touradas e o efeito do vermelho sobre os touros (sobre os curas, presumo que o contrário ocorra, exceptuando no colorido dos Conclaves), já a esclareci no seu sítio. Fi-lo, julgo, com a calma olímpica que possa ter um pacífico devorador de salsichas, embora me reste o mistério indecifrável do porquê de ela imaginar que se faça “tu-tu-tum” (parece-me mais coisa de índios) quando um touro investe ou um herege tenta virar de pantanas um cura a fugir de sotaina arregaçada. O que demonstra a desgraça igual que é um ateu meter-se em coisas de religiões ou um crente caricaturar pessoas de nenhuma fé religiosa. E eu concedo que a asneira original foi minha. Mea Culpa. O que não me impede de continuar a perorar, sobretudo perante um repto estimulante.

Fica, que se esprema sem picardia nem sequer ironia, o desafio de eu me imaginar cura ou pastor a “falar de sexualidade com os jovens”. Que diria? Isso mesmo, que diria?

Boa pergunta, ficando claro, como declaração de princípio em ante-sala e para facilitar, que, em qualquer circunstância e sobre qualquer tema, se a desdita me tivesse levado a ser cura ou pastor, a primeira coisa que faria (ou devia fazer), sempre, era deixar de o ser. E esta nota aqui fica como mero sinal de respeito pela diferença e por achar que entendo bem que falamos do mesmo tema mas com posturas em plateias diversas, relativizando a essência provável da discordância.

Continuemos, imaginando-me cura ou pastor, nunca o sendo por não o poder ser. E isso remete-me ao meu papel de pai e de educador com vestes de laico procurando o bem. E só nessa qualidade respondo, dessacralizando a coisa. E digo-lhe: - tenho por norma pedagógica “não falar de sexualidade com os jovens”. Escuto-os, tenho-lhe os ouvidos bem abertos (às palavras e aos sinais) e só entro em achegas se vir que há perigo à vista ou apetência em me saberem a opinião ou a experiência (o que só raríssimas vezes acontece). Porquê? Porque não acredito em “educação sexual”, em “normativo sexual”, em “experiência sexual transmissível”. E sou tolerante sobre os caminhos, que sei serem ínvios (só podem sê-lo) da descoberta da sexualidade, porque acredito que, sem os pisar ou evitar-lhes a atracção experimental e de descoberta, não há síntese de maturidade que resulte. A sexualidade não é esquecida mas não é um “problema” a necessitar de “educação” (excepto quanto à prevenção de doenças sexuais transmissíveis e à gravidez precoce ou não desejada), tanto mais que eu não tenho chave para ninguém (a minha cá vai andando mas sobre ela não falo por pudor e se ele me é permitido nesta conversa de amizade e bem querer) sobre os caminhos de autodeterminação sexual nem normas para dar ou vender, quanto mais testemunhar. E, para mais, nem sequer sei o que é o “sexualmente correcto”. Sou mais um intuitivo que um pedagogo, como vê. E assim me defendo não me demitindo. O tema vem quando vem (sempre e apenas quando lhes apetece, aos jovens) e procuro misturá-lo, enquadrando-o em outros valores, interesses e facetas, retirando-lhes uma carga autónoma de “problema” ou de “tema”. Sobretudo porque penso que a sexualidade é amor (mas tem um campo próprio – e autónomo - de realização de prazer e o prazer só é ilegítimo quando agride alguém) mas que os seus caminhos são únicos e não transmissíveis, não julgáveis, livres de liberdade feita, em que qualquer testemunho normativo ou de mensagem (passado como evangelização ou como redenção dos pobres e oprimidos) é apenas um acto de violência e de tentativa de domínio sobre outro, com dolo se cometido sobre um jovem. Falando do mundo e das pessoas, de nós, de vós, deles, daqui, dali, não falamos de sexualidade? Oh se falamos. Não fosse assim, não se topavam à légua, como se topam, os “sexualmente infelizes” ou “sexualmente sublimados” (aqui está outra categoria dos “infelizes sexuais”). Por isso é que, querendo ou não, julgo que andamos permanentemente a dar “educação sexual” aos jovens. E como ele topam a nossa “autoridade académica” no assunto ou absoluta ou meia inépcia para tal arte. E aqui é que o touro torce o rabo, para terminar com um regresso de estilo aos tais curas, pastores e evangelizadores, ou seja, às minhas embirrações de estimação.











publicado por João Tunes às 18:05
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3 comentários:
De Helena a 2 de Junho de 2005 às 08:25
João, também tenho as minhas dificuldades com essa de ser "eternamente virgem" - parece-me uma violência exigir isso à partida. Por outro lado, conheço padres que têm um tal ritmo de trabalho e de entrega ao estudo e ao serviço dos outros, que seria uma irresponsabilidade se tivessem também família, porque estariam permanentemente ausentes. O que não me impede de aplaudir até me doerem as mãos se a Igreja Católica decidir prescindir do voto de celibato. -- Deve um casto falar de sexualidade? Bem, não espero que um casto me faça uma análise comparada das posições do Kama Sutra, mas pode perfeitamente chamar a atenção para o conflito entre a mensagem de Cristo (de amor, respeito, valorização do ser humano) e os apelos da publicidade. Por exemplo. E se uma pessoa que não tenha experiência concreta em determinado campo não puder dar opinião sobre isso, lá se acabam os blogues... -- Quanto ao mistério de eu ser ora Helena ora Manuel António, ia brincar outra vez, e dizer que o Dois Dedos de Conversa é o único blog transexual da blogosfera portuguesa, e que o assumimos como maneira de testemunhar a sexualidade evangelizada. Mas não é assim, claro. Somos quatro amigos. Tem razão em notar que eu respondo, em vez de deixar o campo ao Manuel António. Mas, que hei-de fazer? Eu sou aquela que grita HEI! e atravessa a rua...


De Joo a 1 de Junho de 2005 às 22:32
Cara Helena, concordo que não deve haver pressas nem precocidades mas ser "eternamente virgem" deve ser uma coisa horrível de pobreza de vida. Como não imagino que alguém que fez voto de castidade, voluntariando-se para a renúncia, possa educar ou mensajar o quer que seja, muito menos testemunhar. Um casto ou uma casta deviam falar de tudo mas terem a humildade de se absterem no terreno que se interditaram. Agradeço o agradável papo, ficando-me com o mistério de umas vezes vc ser Helena e noutras Manuel António. Mande sempre que eu também. Abraço.


De Helena a 1 de Junho de 2005 às 21:53
Eu sabia que vinha por aí bom post! -- Parece que estamos de acordo quanto ao essencial: respeito pela pessoa em processo de crescimento e aprendizagem. No meu caso, passa também por chamar a atenção para o respeito que é devido ao outro e a si próprio. Acho importante dizer aos meus filhos algo como "não tenhas pressa, espera que passe alguém que te mereça", já que vivem numa sociedade onde existe pressão para "não perderem o comboio" já a partir da escola primária. (Lembro-me da filha de uma amiga, que aos 14 anos estava a ser incrivelmente pressionada pelas amigas para não ficar "eternamente virgem".) -- Quanto à evangelização, não vejo a coisa com tanto dramatismo. Não entendo a fé como um conjunto de normas, mas como uma busca de sentido. A evangelização da sexualidade não será um "cinto de castidade" na consciência, mas um desafio. E cada um encontrará as respostas que for capaz de dar em cada fase da vida.


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