Sexta-feira, 6 de Maio de 2005

ENTENDER

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Entendo que a brutalidade das fracturas marque para sempre a alma. O busílis é que isto pode dar desde o melhor até ao pior, com inúmeras probabilidades intermédias. A distância, o decantar do tempo, a ultrapassagem do calor das brasas, tanto descambam, nos casos extremos de conflitos e contradições, em lucidez acrescentada como se lentes desfocadas ajudassem a ver melhor, ou, então, em fixações revistas e aumentadas de feridas, conceitos e preconceitos, venenos ainda a pedirem ajuste de contas. Mas entendo.

Entendo também que a primeira mátria, aquela em que bebemos o leite do despertar, se agarre para sempre como dedos de aconchego ao colo, olhos de saber olhar e uma permanente revolta deglutida, minuto a minuto, como uma perda sempre atravessada na garganta e que se recusa a repousar no estômago. E, então, a segunda mátria parecer, mesmo quando estimada como porto de abrigo, mais ama de companhia com feitio difícil e incapaz de nos alimentar os nervos e as veias. Entendo.

Não quero falar de cor e de copianço da revelação de dores de situações que não vivi portas de carne e alma dentro. Limito-me a tentar entender. Porque, mesmo sendo filho de vivência diferente, tenho direito a entender. E eu tenho a ambição de tudo querer entender, sabendo que lá não chegarei nem da meta me aproximo.

Procuro respeitar a revelação de dor se ela for passível de ser recebida como dor humana e justa. Justa perante os outros e perante a História. Mas recuso afago condescendente que me levem, por exemplo, a achar menos que um fascista ordinário, um criminoso de guerra impune mesmo que sem sangue nas mãos, aquele que disser, deitando fora a distância de trinta anos passados: “A Pide não nos incomodava, nunca nos incomodou, tratava dos turras e ainda bem”, conservando, assim, cães raivosos no seu redil das estimas. A estes, entendo mas pago-lhes na única moeda que merecem, entendendo-os através de outra memória - a dos meus dois anos de juventude gastos a defender-lhes a eternidade do seu ódio sentado no poder, numa guerra que tanto gozo patriótico me deu perder.

Um Cavalheiro, um Senhor Cavalheiro, no sentido genuíno da tradição de honra e condescendência dos velhos Cavalheiros, é Este. Agradeço-lhe o grito histórico e dorido. E o que me ensinou com os seus traços sobre um tempo de dor e de parto. Gabo-lhe a paciência, a gentileza na medida das palavras, a coerência, a vontade de ser justo.









publicado por João Tunes às 15:54
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De Carlos a 6 de Maio de 2005 às 16:37
Este abraço que deixo ultrapassa o virtual. Oh se ultrapassa...


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