Muito acercado à orla marítima do Cantábrico, incrustados em três províncias (Leão, Cantábrico e Astúrias), ergue-se o esplendor de maravilha dos vales e montanhas chamadas de
Picos da Europa. Ali, pode-se ficar o tempo que se ficar que a vista verá sempre pouco do que há para ver. Tem tudo para encantar e que, julgo (estou longe de tudo conhecer) não tem paralelo com outro local europeu (qual Suiça, qual carapuça) vales contínuos por onde conduzir é uma bênção de gozo, terreolas de impressionante simpatia simples (Potes é uma pequena maravilha) cavadas nos vales com pequenos rios à vista, sítios à farta para se dormir e se comer, teleférico para viagem e vista memoráveis, montanhas imponentes recortando o céu, neves sempre eternas nos pontos mais altos, vistas, vistas e mais vistas. Pois, é verdade, não conhecer os
Picos da Europa é ter-se o céu à mão de semear e passar-lhe ao lado. Ali, de facto, o único senão é o tempo disponível para lá se estar. Será sempre de menos.
Covadonga, enfim, é a Covadonga. Bonito é o sítio. O pior é o resto (a parte simbólica) que eu, pela parte que me toca, bem dispensava. Pois, o Don Pelayo que Franco bem usou e abusou mais o mamarracho neo-gótico avermelhado. Mas enfim, bonito é. E Covadonga tem a grande vantagem de demonstrar como Fátima é bem feia e mastodôntica. E aqui fica a homenagem possível ao culto a Don Pelayo que o
Raimundo Narciso aqui convocou (ou provocou?).
A seguir a Covadonga (obrigando a regresso pela mesma estrada) lá estava a placa a indicar o local dos
lagos a 11 quilómetros. Pensava eu que se ia ter aos tais
lagos através de vales, imaginando o objectivo num baixio (li depois, quando dele já não podia tirar proveito, o aviso do
amigo Werewolf). Afinal, os
lagos estão numa enorme altitude e, para lá se chegar, são os tais 11 quilómetros sempre em subida permanente e inclinadíssima numa micro-estrada (em termos de largura) e sem pinta de bermas. No vale de Covadonga, a visibilidade era perfeita pelo que não hesitei no ataque ao caminho. Passados os primeiros dois quilómetros, a neblina (nuvens baixas, suponho) meteu-se até que cheguei rapidamente ao ponto de visibilidade nula, absolutamente nula (os faróis só serviam para iluminar frouxamente um palmo à frente dos pneus). Os últimos sete quilómetros foram feitos sem nada que se visse a não ser os sinais dos faróis dos carros que vinham na descida, a tempo de usar a perícia máxima para o desvio necessário e suficiente da outra viatura e da ravina. Um autêntico suicídio sem meio de retorno (não havia qualquer margem para manobra de inversão de marcha). Certo, nunca maldisse tanto a minha vida como naqueles infindáveis 22 quilómetros (o regresso foi do mesmo, embora mais afastado da ravina), para mais com a minha companheira em pânico porque, no seu lado, ela teimava em que já estava a ver os pneus em pleno espaço sideral. Chegado ao cume, um desvio aparece dirigido a um restaurante, hora de manobra rápida para o atalho, uns minutos para abrandar os tremeliques nas pernas e depois iniciar a descida para que o pesadelo tivesse termo. Quais lagos, qual carapuça. Deviam andar por lá, claro que deviam. E que são bonitos, isso são, como comprovei por fotografias tiradas em dia de boa visibilidade e que encontrei num quiosque de recuerdos. Restou-me a vingança, na saída de Covadonga, de um enorme manguito que atirei às fuças em bronze do altaneiro e mata-mouros Don Pelayo. Improvisar tem os seus sabores mas também os seus custos. Se tem. Mas, a não ser assim, viajar tem alguma graça? Acho que não (agora que o suor frio já secou há uma data de tempo).
(imagem do autor caminhando pelos Picos da Europa)