Um ditador já é velho demais quando inicia a ditadura. Porque recorre à arte mais velha do mundo que é impor o seu mando a outros. E que me desculpem as
senhoras da vida, o vosso ofício está longe de ser o mais antigo, ainda vocês não tinham descoberto a forma de ganharem os vossos honorários com as misérias masculinas e já havia ditadores em funções. Porque qualquer ditador faz o que há de mais simples, ancestral e primitivo no mundo e que é mandar pela força.
Os povos deviam, no estado adulto em que nos julgamos, ser poupados ao primarismo do mando bruto. Mas o ancestral é rijo como cornos. Custa a desfazer. Se custa.
O pior de uma ditadura é quando ela é servida por um ditador velho. Sobretudo quando envelheceu na arte de ser ditador. Di-lo quem sabe de
meia vida a gramar um ditador longevo e, sempre, mais e mais teimoso. Tão teimoso que morreu estúpido e deixou herança de estupidez. E tão estúpido que nos quis ensinar a
arte de obedecer. E ensinou, essa é que é essa. Pois, a estupidez também é antiga. E a ditadura é a arte da velhice.
Veja-se Fidel, cada vez mais ditador e mais paranóico. Mais velho, segundo a lei da vida. Serve-lhe o mito romântico para que a
pena por ele substitua a
repulsa, bem mais justa e necessária, pela inumanidade do medo dos cubanos. Mário Soares, um dia, chamou-lhe, nas fuças, dinossauro. Mas talvez se tenha esquecido do saudoso Zé Cardoso Pires e que Fidel, para a esquerda-mesmo-esquerda, era e é (como o homólogo lusitano) um
dinossauro excelentíssimo. Intocável, em nome da rejeição do
mafarrico Bush.
Os fins dos ditadores, como todos os seus actos, são encenados minuciosamente pelas suas cortes. Mesmo as suas respeitáveis decadências humanas. Há qualquer coisa de nefando e obsceno na forma como se castigam os ditadores com o prolongamento forçado da encenação do seu mando para além da capacidade física e intelectual para mandar o quer que seja. Ditadores moribundos, ou para lá caminhando, são sujeitos a grotescos jogos de resistência ao fim da vida. Na efémera mensagem de que são eternos. Foi assim com Salazar (a quem representaram a senilidade teatral de que ainda mandava quando Marcelo já despachava na sua vez); idem com Franco; o mesmo com Brejnev que, nos últimos anos, já tinha camaradas a sacudirem-lhe o braço para acenar encavalitado no mausoléu de Lenine. Agora,
o ditador da mais velha ditadura (o Vaticano) não escapa à regra.
A ditadura é velha e sábia mas (por isso?) não tem nada de criativa. E é cruel, até para os próprios ditadores.